segunda-feira, 2 de março de 2015

Miramar - de Naguib Mahfuz

“É bom que encontremos alguém com quem compartilhar a solidão”

miramar2Eu não sabia quase nada sobre o Egito. Devo ter estudado no colegial alguma coisa sobre as pirâmides, sobre o rio Nilo, sobre Cleópatra e Nefertiti, mas meu conhecimento acerca da História mais recente desse país era praticamente nulo. Estava até um pouco preocupada achando que me faltariam as informações necessárias para entender bem o enredo de Miramar. Mas eis que me deparo com um excelente prefácio da tradutora, Isabel Hervás Jávega – que fez a tradução direta do árabe para o espanhol.
De forma pertinente, Isabel faz um apanhado da História Sócio-Político do Egito, desde a chegada de Napoleão Bonaparte, em 1798, até o governo de Gamal Abdel Nasser. Ela fala sobre a história do país durante o domínio inglês, mostra-nos como a poderosa Inglaterra interferia e controlava assuntos internos, tanto políticos como econômicos e financeiros. É justamente nessa época que são fundados os primeiros partidos políticos do Egito: O Partido Nacionalista e o Partido do Povo. Esses partidos tinham como principal objetivo criar um sistema constitucional assim como expulsar os ingleses do território nacional. Com a iminência da Primeira Guerra Mundial a Inglaterra declara o Egito território britânico, assegurando assim o controle do país e das matérias primas egípcias.
Mais tarde aparece uma nova força política que se transformaria no partido Wafd (Partido Político Nacionalista Liberal). O Wafd tentou expor suas demandas de independência, mas Saad Zaghloul, seu líder, foi punido com o exílio. Anos depois Saad regressou ao país e conseguiu que fosse declarada a independência do Egito, em 1936. No entanto, foi só em 1954, após a chegada de Gamal Abdel Nasser ao poder, que as reclamações históricas das massas menos favorecidas começaram a ser levadas em consideração. Nasser implantou um Estado de Corte Socialista e nacionalizou os recursos do país. Ainda assim, Nasser não deixou de ser considerado um personagem obscuro e seu governo, para os próprios egípcios, foi marcado como uma época de repreensão política, censura ideológica e corrupção industrial.
Toda essa história política e social, sobretudo durante o governo de Nasser, é pano de fundo do livro Miramar. Isabel Hervás Jávega colabora com um excelente trabalho, fornecendo informações relevantes que ajudam o leitor a compreender muito bem o contexto histórico em que a obra de Naguib Mahfuz está inserida.
A história se desenrola em Alexandria, na pensão Miramar, onde habitam os sete personagens principais. A ação ocorre nos anos 60 (em um curto período de tempo) e nos mostra, além da interação dos moradores da pensão, a situação em que o país vivia naquela época.
O livro é composto de quatro capítulos, cada um deles tem como título o nome de um personagem. Há, porém, outros três personagens que embora sendo importantes na história não possuem capítulos próprios.
Cada capítulo é narrado em primeira pessoa pelo personagem que o intitula. O narrador-personagem faz pequenas digressões e vai acrescentando pouco a pouco fatos do seu passado, fazendo uma espécie de diálogo entre passado e presente. Como grande parte da história se passa dentro da Pensão Miramar, acredito que essas digressões são estratégias do autor para quebrar a monotonia da narrativa e tornar a leitura mais instigante. Além disso, essas voltas ao passado permitem que o leitor conheça de fato a história de vida dos moradores da pensão e possa, assim, mergulhar mais profundamente nas dores de cada um deles.
Um dos hóspedes da Pensão Miramar aparece morto (isso não é um spoiler, pois já ficamos sabendo nas primeiras páginas do livro); esse acontecimento muda os ânimos de todos que vivem na pensão e é o ponto de partida da história. À medida que avançamos tomamos conhecimento que o importante não é o crime em si, mas o que realmente aconteceu com os personagens nos dias que antecederam esse crime.
Os detalhes nos são contados pelos quatro personagens principais que possuem capítulos próprios, a partir da perspectiva de cada um deles. O mais interessante é que apesar do tema ser o mesmo – a morte do tal hóspede – os fatos são alterados de acordo com o ponto de vista de cada narrador. Chega um momento que o leitor pensa que já sabe tudo o que aconteceu, como aconteceu e o porquê de ter acontecido, então começa um novo capítulo, o narrador muda, a perspectiva muda e começamos a ver a história a partir de um ângulo completamente novo outra vez.
Mesmo a história girando em torno de um crime, esse não é o tema principal de Miramar, percebemos isso quando entramos em contato com os personagens, conhecemos seus defeitos, suas qualidades, seus medos, seus sonhos… Nos damos conta que cada um deles, à sua maneira, está perdido. Embora física e moralmente diferentes, todos os personagens têm um ponto em comum: estão sós no mundo. Vivem em uma pensão, encontram-se todos os dias, compartilham refeições, mantêm acaloradas conversações, mas são solitários. Acredito que o tema principal de Miramar é justamente esse: a solidão. Os personagens estão acompanhados, mas sentem-se sós. E isso é triste, muito triste!
Sobre o autor:
naguib
Naguib Mahfuz foi um escritor egípcio, nascido no Cairo, em 1911. É considerado um dos primeiros escritores contemporâneos da literatura árabe. Seus romances mais conhecidos são Miramar (1967) e os que compõem A Trilogia do Cairo (1957). Suas obras foram traduzidas para várias línguas. Em 1988 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Morreu em 2006.

2 comentários:

  1. Oi, Dayse!
    Foi com esse romance que Naguib Mahfouz recebeu o nobel? Não deve ser um livro fácil :) Sempre achei a literatura árabe difícil e de antemão coloco obstáculos para ler. Mas certamente é bem rica, ainda mais com personagens tão bem delieados! Mas às vezes precisamos de uma boa história para não nos dizer o que pensar e deixar que ele vague por tantas opções.
    Quanto à solidão, é triste constatar que nascemos sós e morreremos sós e que mesmo que estejamos interagindo com as pessoas, no fundo ainda nos sentiremos sós.
    Vem aí a 10ª Edição do BookCrossing Blogueiro!
    Beijus,

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  2. Oi, Luma!
    Eu também pensei que a escrita de Naguib Mahfouz era difícil, mas não é nao! Pelo menos nesse livro a escrita é simples, gostosa, flui muito bem. Acho que a parte mais interessante do livro, além da história que é muito boa, são as informações culturais do Egito que Mahfouz nos dá, pra alguém como eu, que não sabia praticamente nada, foi uma aula de História mesmo.
    Quanto ao Nobel, eu não tenho certeza, mas acredito que o prêmio não é atribuído a uma obra específica, mas ao conjunto da obra do autor. Tenho que dar uma pesquisada nisso... rsr
    Beijos

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