domingo, 27 de julho de 2014

Tem olhos, mas não vê!

Tem olhos, mas não vê. Essa frase combina direitinho comigo em algumas situações. Hoje, por exemplo, me dei conta de que há mais ou menos vinte anos venho ao mesmo lugar e poucas vezes reparei na beleza que ele possui.
Vocês podem até pensar: Caramba, vinte anos são anos que não acabam mais... Pois é, não posso deixar de assumir que sou cabeça dura.
Eu sempre fui uma pessoa fascinada por grandes cidades, acho que isso tem muito a ver com o fato de eu ter nascido em um lugar pequenino no interior do Maranhão. Naquela época, o meu maior sonho era morar em uma cidade enorme, do tamanho do mundo. Isso ocorreu pouco depois, porque aos oito anos eu me mudei desse povoado para uma cidade maior. O interior continuou me agradando de uma certa forma, mas só durante as férias! Queria morrer só de pensar na possibilidade de voltar a morar um dia em um lugar tão pequeno.


Vista da janela de meu apê!


O castelo da cidade construído em 1280

Desde que me mudei do interior desfrutei como ninguém das cidades gigantescas nas quais morei. Adorava o tumulto e o barulho tão tipicamente conhecido de lugares movimentados. Gostava, sobretudo, de ver muitas pessoas juntas, de saber que a qualquer hora do dia ou da noite era possível sair pra badalar. Adorava saber que os shoppings ficavam abertos até altas horas, mesmo aos sábados e domingos. Sinceramente, poucas vezes parei para pensar a respeito dos funcionários desses centros comerciais que precisavam trabalhar todo dia inclusive durante os feriados. Egoísmo meu, reconheço!


Igreja de Mayen - construída em 1911
A igreja e a antiga muralha

A antiga prefeitura e o mercadinho de flores

Centro comercial

Tempos depois, já casada, fui visitar o lugar de origem de meu marido: Mayen, uma cidadezinha do tamanho do nada encravada em um vale no meio da Alemanha. Bonitinha, é bem verdade, mas tão pequenina.
Sua população de 18 mil habitantes é formada principalmente por pessoas idosas. O centro comercial tem apenas duas ruas com algumas lojinhas. Até o Kaufhof, uma loja de departamento bem conhecida na Alemanha, fechou suas portas há alguns anos, creio que por falta de clientela... E e
ssas mesmas lojinhas às seis da tarde fecham, sem falar que aos sábados funcionam apenas até às 14h e durante os domingos e feriados não abrem. Também não tem shopping nem discoteca, em outras palavras, é uma cidade completamente parada.
Quando eu soube de tudo isso acerca de Mayen o meu sangue gelou e a primeira pergunta que me veio à cabeça foi:

- Mas a gente não vai precisar morar neste vilarejo, vai?
- Nãaaao, Day, meu trabalho na Alemanha sempre será em Berlim (Ufaaa, respirei aliviada!)
- Mas, só pra esclarecer, Mayen não é um vilarejo, viu?! Foi reconhecida como cidade em 1291. ( meu marido fez questão de deixar isso bem claro... rsrs)


Resulta que o tempo foi passando e as coisas que antes eram tão valorizadas por mim foram ficando em segundo plano, sem importância nenhuma. Eu fui percebendo que tumulto no lugar de me agradar começou a me irritar e tirar completamente a minha paz. Comecei a buscar, dentro das grandes cidades, bairros com tranquilidade para morar. 

Hoje, assumo com prazer que prefiro muito mais uma cidadezinha com segurança e sossego que uma metrópole onde nunca se está 100% seguro. É muito mais aconchegante e agradável viver em um lugar pequeno e calmo que numa cidade eletrizante.
Segurança e tranquilidade são coisas importantíssimas na vida de uma pessoa, eu sempre soube disso, mas precisei de anos pra me acostumar à idéia de que Mayen não era tão ruim assim como eu queria acreditar que fosse.
O tempo foi passando, a maturidade chegando, meus interesses mudando e eu comecei, finalmente, a enxergar Mayen com outros olhos.
Fui percebendo a beleza do lugar: sua arquitetura belíssima e antiga, suas ruelas charmosas, suas cafeterias que servem os bolos mais deliciosos que já comi, seus habitantes fechados, eu diria até meio carrancudos, mas ainda assim com um quê de amabilidade. Esses mesmos habitantes, depois de tanto tempo, ainda me olham com certo ar de curiosidade, mas eu já não me deixo mais intimidar e digo sem pestanejar: sinto-me bem em Mayen. É como se a cidade, de alguma forma, me fizesse ver a vida a partir de outro ângulo.




A cidadezinha é charmosa também à noite!

O castelo da cidade visto por trás

Eu não pretendo morar aqui agora, mas no futuro, em um futuro não tão distante, Mayen será sem dúvida uma boa opção. Hoje, já me imagino morando em um vilarejo (ou em uma cidade pequena, como meu marido prefere dizer... rsr), já me imagino fazendo compras nos meus lugares, nessas mesmas lojinhas desconhecidas, olhando as mesmas caras todos os dias, andando a pé sem a necessidade de tirar o carro da garagem. Enfim, é reconfortante constatar que o tempo e a maturidade foi capaz de me fazer mudar, até mesmo aquelas coisas que eu sequer imaginava. Menos mau que essas mudanças foram para melhor e fizeram uma diferença incrível na forma como vejo o mundo e as pessoas ao meu redor. Aprendi, finalmente, a enxergar a beleza de Mayen. Antes tarde do que nunca!