domingo, 31 de maio de 2015

Ahhh o Vietnã...

“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é, que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”. (Amyr Klink)
Quando eu era menina assistia a muitos filmes sobre a guerra no Vietnã, filmes esses que eram repetidos incansavelmente na tv aberta do Brasil. A grande maioria desses filmes mostrava o povo vietnamita como malvado, o grande vilão da história… e eu acreditava piamente na forma como eles eram retratados, por conta disso acabei desenvolvendo uma opinião equivocada sobre essas pessoas, opinião essa criada e estimulada pela televisão e seus filmes hollywoodianos.
Desconhecia praticamente tudo sobre esse país, desconhecia de tal forma que quando ouvia falar em Vietnã, mesmo depois de adulta, minha mente quase sempre associava a bombas, gritos e violência.
Confesso que nunca tinha passado pela minha cabeça fazer férias por lá, não tinha a menor ideia da grande riqueza cultural que o país possui e como o povo vietnamita é amável.
Ponte japonesa em Hoi An
 Lanternas de Hoian

A minha primeira impressão ao chegar no Vietnã foi: Uaauu eles até são simpáticos! Vocês acreditam que eu fui pra lá esperando encontrar um povo carrancudo? Quanta ignorância a minha, pois o que encontrei foi um país bonito, quentinho e pessoas agradáveis.
Os vietnamitas ainda estão se preparando para receber os turistas, pelo menos em Danang, na parte central do Vietnã, o turismo ainda não está assim tão desenvolvido, isso faz com que os preços sejam mais convidativos. E mesmo com essa vantagem em relação ao valor das coisas ainda não há aquela enxurrada desenfreada de turistas.
Eu gostei do que vi, gostei de andar no meio do povão, de comer comida de rua, de passear de canoa e de andar a pé no meio do mato. Gostei de provar as comidas típicas, de fotografar o povo pelas ruas, de entrar no mar calmo e cálido, de aprender um pouco da história do país, de sua cultura e de seus costumes…


Danang, a quarta maior cidade do Vietnã, é bastante movimentada e tem um encanto todo especial. Andei por lá nos mercados de rua, no calçadão ao lado do rio Han, observei as cinco pontes que ajudam a compor a beleza da cidade e fiquei encantada com as praias. No entanto, o lugar que mais gostei de visitar foi Hoi An, uma das cidadezinhas mais charmosas que já vi na vida.
Hoi An tem um casco histórico belíssimo, completamente intacto pelo fato de não ter sido atingido pelos bombardeios durante a guerra. É decorada pela ponte coberta japonesa, uma prova viva da influência que o Japão teve na cidade. É banhada pelo Rio Thu Bon, que foi um porto de pesca importantíssimo.
Por suas ruas circulam muitas motos – aliás nunca vi tantas motos juntas e um trânsito tão caótico quanto vi no Vietnã, mas isso também faz parte da beleza do país e ajuda a compor a atmosfera do lugar.
Hoi An tem uma variedade de edifícios com arquiteturas totalmente diferentes: chinesa, japonesa e francesa. Esses três povos, no passado, influenciaram muito a cidade e deixaram suas marcas. Hoje, podemos notar isso claramente nos edifícios, alguns deles possuem essas três influências combinadas em uma mesma construção. Essa cidadezinha é conhecida também por suas costureiras e por seus artesanatos, sobretudo as famosas lanternas. Hoi An foi declarada Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco.

 My Son
 Santuário de My Son
Além de Danang e Hoi An fui conhecer também o Santuário de My Son, que são ruínas de uma antiga cidade imperial que existiu entre os séculos IV-XVIII. Essas ruínas se assemelham muito a Angkor Wat, no Camboja (que eu ainda não conheço, mas que está nos meus planos conhecer em breve, estive no Camboja em novembro de 2017 :)). Grande parte do Santuário My Son foi destruído durante a guerra, mas ainda restam vinte monumentos muito bem conservados e que impressionam os visitantes. O lugar é muito bonito, tem muito verde ao redor mas o que mais chamou a minha atenção foram os detalhes das construções. My Son também foi declarado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco.
Coisas para fazer e conhecer no Vietnã não faltam: há as Montanhas de Mármore, um grupo de cinco montanhas que é na verdade um local de peregrinação, um retiro espiritual; o interessante desse lugar são as muitas cavernas enormes que existem dentro das montanhas e as vistas maravilhosas.
Além disso, é possível alugar bicicletas e fazer passeios pelos campos de arroz, pelas praias, aliás as praias são um caso à parte: bonitas, com águas claras, calmas e quentinhas.
Achei uma delícia visitar o Vietnã, um país de homens e mulheres fortes. As mulheres trabalham muito, não apenas como as famosas costureiras de Hoi An, mas fazendo trabalhos pesados: remam canoas, puxam e empurram carrinhos de mão, carregam cestos pesadíssimos pela cidade vendendo frutas e legumes… Elas trabalham pra valer!

 Non Nuoc Beach – Da Nang
Minha viagem ao Vietnã serviu para me fazer enxergar esse país e seu povo com outros olhos, um olhar completamente distinto daquele de quando eu era moleca e assistia aos filmes na tv – quando nem passava pela minha cabeça andar por estas bandas. E eu percebi que nem sempre o que imaginamos e recriamos na nossa mente sobre um determinado lugar corresponde à realidade. Por isso quando aparecer a oportunidade para conhecer esses lugares não devemos deixar a oportunidade escapar. Viajar e visitar outros países é maravilhoso, pois aumenta nosso conhecimento sobre a cultura alheia, muda a opinião errônea que tínhamos sobre determinadas pessoas e costumes e, sobretudo, nos livra de nossos muitos preconceitos.

Arquitetura no Vietnã/influência chinesa
Uma vendedora de rua
Eu, assim como Amyr Klink, também acho que devemos ver o mundo com nossos próprios olhos. Porém, isso não significa que uma boa leitura não seja válida. É válida, sim senhor! Acredito que um bom livro é um excelente complemento para uma grande viagem. É bom ler e é bom viajar… e quando podemos combinar as duas coisas é melhor ainda, né?!
Amei o Vietnã, uma da melhores viagens da vida.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

10º Bookcrossing Blogueiro


"Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece." Carlos Ruiz Zafón



Começou o 10º BookCrossing Blogueiro, o projeto pra lá de bacana que a Luma Rosa, do blogue  Luz de Luma, Yes Party, organiza duas vezes por ano.
Quem quiser participar está convidado, basta apenas escolher aquele livro que está abandonado na estante, colocar um recadinho dentro explicando que ele não está perdido, que é um livro livre (que deve ser lido e outra vez libertado) e deixá-lo em algum lugar público para que alguém o encontre. Você pode também entregá-lo diretamente a alguém ou enviá-lo pelo correio. O importante é entrar na brincadeira com gosto, participar e ajudar a compartilhar livros por aí.


Escolhi três livros para libertar. Quem estiver interessado basta apenas enviar um recadinho avisando qual livro deseja receber. O envio será por ordem de chegada, quem pedir primeiro, leva.

Comer, rezar e amar, de Elizabeth Gilbert

A cabana, de William P. Young

A estrada, de Cormac McCarthy

Para mais informações acessem o blogue da Luma, lá explica tudo direitinho. A 10ª edição do Bookcrossing Blogueiro acontece de 16 a 23 de abril de 2015.

Minhas participações anteriores:

- 9ª edição (aqui)
- 8ª edição (aqui)

- 7ª edição (aqui)
- 6ª edição (aqui)

Animem-se, participem e ajudem a difundir o hábito da leitura!

segunda-feira, 2 de março de 2015

Miramar - de Naguib Mahfuz

“É bom que encontremos alguém com quem compartilhar a solidão”

miramar2Eu não sabia quase nada sobre o Egito. Devo ter estudado no colegial alguma coisa sobre as pirâmides, sobre o rio Nilo, sobre Cleópatra e Nefertiti, mas meu conhecimento acerca da História mais recente desse país era praticamente nulo. Estava até um pouco preocupada achando que me faltariam as informações necessárias para entender bem o enredo de Miramar. Mas eis que me deparo com um excelente prefácio da tradutora, Isabel Hervás Jávega – que fez a tradução direta do árabe para o espanhol.
De forma pertinente, Isabel faz um apanhado da História Sócio-Político do Egito, desde a chegada de Napoleão Bonaparte, em 1798, até o governo de Gamal Abdel Nasser. Ela fala sobre a história do país durante o domínio inglês, mostra-nos como a poderosa Inglaterra interferia e controlava assuntos internos, tanto políticos como econômicos e financeiros. É justamente nessa época que são fundados os primeiros partidos políticos do Egito: O Partido Nacionalista e o Partido do Povo. Esses partidos tinham como principal objetivo criar um sistema constitucional assim como expulsar os ingleses do território nacional. Com a iminência da Primeira Guerra Mundial a Inglaterra declara o Egito território britânico, assegurando assim o controle do país e das matérias primas egípcias.
Mais tarde aparece uma nova força política que se transformaria no partido Wafd (Partido Político Nacionalista Liberal). O Wafd tentou expor suas demandas de independência, mas Saad Zaghloul, seu líder, foi punido com o exílio. Anos depois Saad regressou ao país e conseguiu que fosse declarada a independência do Egito, em 1936. No entanto, foi só em 1954, após a chegada de Gamal Abdel Nasser ao poder, que as reclamações históricas das massas menos favorecidas começaram a ser levadas em consideração. Nasser implantou um Estado de Corte Socialista e nacionalizou os recursos do país. Ainda assim, Nasser não deixou de ser considerado um personagem obscuro e seu governo, para os próprios egípcios, foi marcado como uma época de repreensão política, censura ideológica e corrupção industrial.
Toda essa história política e social, sobretudo durante o governo de Nasser, é pano de fundo do livro Miramar. Isabel Hervás Jávega colabora com um excelente trabalho, fornecendo informações relevantes que ajudam o leitor a compreender muito bem o contexto histórico em que a obra de Naguib Mahfuz está inserida.
A história se desenrola em Alexandria, na pensão Miramar, onde habitam os sete personagens principais. A ação ocorre nos anos 60 (em um curto período de tempo) e nos mostra, além da interação dos moradores da pensão, a situação em que o país vivia naquela época.
O livro é composto de quatro capítulos, cada um deles tem como título o nome de um personagem. Há, porém, outros três personagens que embora sendo importantes na história não possuem capítulos próprios.
Cada capítulo é narrado em primeira pessoa pelo personagem que o intitula. O narrador-personagem faz pequenas digressões e vai acrescentando pouco a pouco fatos do seu passado, fazendo uma espécie de diálogo entre passado e presente. Como grande parte da história se passa dentro da Pensão Miramar, acredito que essas digressões são estratégias do autor para quebrar a monotonia da narrativa e tornar a leitura mais instigante. Além disso, essas voltas ao passado permitem que o leitor conheça de fato a história de vida dos moradores da pensão e possa, assim, mergulhar mais profundamente nas dores de cada um deles.
Um dos hóspedes da Pensão Miramar aparece morto (isso não é um spoiler, pois já ficamos sabendo nas primeiras páginas do livro); esse acontecimento muda os ânimos de todos que vivem na pensão e é o ponto de partida da história. À medida que avançamos tomamos conhecimento que o importante não é o crime em si, mas o que realmente aconteceu com os personagens nos dias que antecederam esse crime.
Os detalhes nos são contados pelos quatro personagens principais que possuem capítulos próprios, a partir da perspectiva de cada um deles. O mais interessante é que apesar do tema ser o mesmo – a morte do tal hóspede – os fatos são alterados de acordo com o ponto de vista de cada narrador. Chega um momento que o leitor pensa que já sabe tudo o que aconteceu, como aconteceu e o porquê de ter acontecido, então começa um novo capítulo, o narrador muda, a perspectiva muda e começamos a ver a história a partir de um ângulo completamente novo outra vez.
Mesmo a história girando em torno de um crime, esse não é o tema principal de Miramar, percebemos isso quando entramos em contato com os personagens, conhecemos seus defeitos, suas qualidades, seus medos, seus sonhos… Nos damos conta que cada um deles, à sua maneira, está perdido. Embora física e moralmente diferentes, todos os personagens têm um ponto em comum: estão sós no mundo. Vivem em uma pensão, encontram-se todos os dias, compartilham refeições, mantêm acaloradas conversações, mas são solitários. Acredito que o tema principal de Miramar é justamente esse: a solidão. Os personagens estão acompanhados, mas sentem-se sós. E isso é triste, muito triste!
Sobre o autor:
naguib
Naguib Mahfuz foi um escritor egípcio, nascido no Cairo, em 1911. É considerado um dos primeiros escritores contemporâneos da literatura árabe. Seus romances mais conhecidos são Miramar (1967) e os que compõem A Trilogia do Cairo (1957). Suas obras foram traduzidas para várias línguas. Em 1988 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Morreu em 2006.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Revisitando #1: Memorial do Convento

Revisitando é um espaço que criei aqui no blogue para compartilhar com vocês as minhas releituras. Decidi reler livros que fizeram parte de minha vida, livros que por alguma razão voltam sempre à minha memória. Farei uma nova leitura deles, em primeiro lugar, para relembrar detalhes já meio adormecidos, e em segundo, para saber se se minha opinião mudou, se com a releitura a obra ganhou ou perdeu o encanto. A intenção é escrever sobre a forma como o livro me tocou, sobre as dificuldades que tive no decorrer da leitura, se gostei, se não gostei e o porquê de ter ou não ter gostado, além de fazer um pequeno resumo da história.

Memorial_do_convento_(48ª_edição)


Neste primeiro revisitando, quero escrever um pouquinho sobre Memorial do Convento, de José Saramago, um romance histórico publicado em 1982.
O livro traz duas narrativas, ora paralelas, ora misturando-se entre si. A primeira narrativa é sobre a construção do palácio-convento de Mafra a mando de D. João V, monarca português que subiu ao trono em 1681.
D. João vivia angustiado com a continuidade de sua dinastia, ameaçada pela possível esterilidade da rainha Maria Josefa. Por essa razão, o monarca mandou construir o convento, foi uma espécie de oferenda a Deus em troca de um herdeiro.


“D. João, quinto de nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura a corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim.”

O convento, de uma magnitude impressionante, levou treze anos para ser construído. Foi concluído em 1730 deixando para trás muitos mortos e trabalhadores explorados ao extremo -, mostrando claramente a força, o poder e a tirania que os nobres possuíam naquela época. Para a construção do convento foram convocados todos os homens válidos do país, muitos deles apanhados à força, amarrados e enviados a Mafra. O rei gastou quantias exorbitantes para construir um palácio-convento que tivesse anexo um palácio real e uma basílica, além de capacidade para abrigar trezentos frades franciscanos.
A segunda narrativa, porém, não trata de feitos históricos como é o caso de D. João V e seu Convento de Mafra, conta a fictícia e belíssima história de amor entre Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas.
Baltasar era um homem de bom caráter, maneta, revolucionário e cristão, foi um dos recrutados por D. João V para trabalhar na construção do convento. Blimunda era uma nova cristã, uma mulher que tinha poderes mágicos, por conta disso conseguia enxergar o interior das pessoas.
Baltasar e Blimunda apaixonam-se e, desafiando os rigores da Inquisição, selam seu amor mediante um pacto de sangue. Em um dado momento Baltasar e Blimunda perdem-se um do outro, é então que começa a parte mais bonita e também mais triste da história. Blimunda é fiel ao seu amor e passa nove anos a procurá-lo desesperadamente, ela cruza o país por sete vezes tentando encontrá-lo.
Saramago nos conta também a história da Passarola, uma máquina voadora projetada pelo padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, figura essa inspirada em uma personagem real, o sacerdote brasileiro conhecido como “padre voador”. Saramago acrescenta detalhes ficcionais à história verídica, como por exemplo, o fato de que para que a Passarola voasse seriam necessárias vontades humanas. Blimunda, por conta de seus poderes mágicos,  foi a escolhida para recolher as vontades humanas necessárias para que a Passarola levantasse voo. Baltasar e Blimunda tiveram uma grande e importante participação na construção da Passarola, foram as duas pessoas de confiança do Padre Bartolomeu de Gusmão.
Com muita ironia, Saramago descreve a História de Portugal do Século XVIII: as epidemias, as guerras, os abusos por parte daqueles que estavam no poder, as atrocidades e injustiças cometidas em nome da Santa Inquisição. O narrador faz uma crítica acirrada ao clero e, principalmente, à nobreza, mostrando claramente um D. João V como um rei arrogante, ignorante, megalomaníaco e perdulário. Enquanto o rei é ridicularizado, o povo, que foi quem de fato trabalhou e construiu o convento de Mafra, é mostrado como o verdadeiro heroi.
Saramago descreve ainda o amor puro, as festas religiosas, a esperança, a luta para a concretização de um sonho e a fé naquilo em que se acredita.
Eu fiquei um bocado intrigada com o autor, pois achei difícil me adaptar a seu estilo de linguagem. Quem o conhece sabe que este escritor português tem uma escrita bastante peculiar, muito própria, muito sua, isso acaba gerando um pouco de dificuldade em alguns leitores quando entram em contato com sua obra por primeira vez. A pontuação que ele utiliza é fora dos padrões convencionais, a vírgula, por exemplo, é usada como substituta de quase todos os outros sinais de pontuação, obrigando o leitor a participar intensamente precisando identificar as frases como interrogativas ou exclamativas à medida que vai lendo. A linguagem escrita se aproxima muito da linguagem oral, foi esse estilo diferente e inédito que me fez voltar várias no texto para melhor compreendê-lo. Acredito que essa foi a grande dificuldade que encontrei na primeira leitura.
Nesta segunda leitura, Memorial do Convento me agradou mais ainda, não sei se isso está relacionado com o fato de ter sido o primeiro livro desse escritor que li ou se foi pela história propriamente dita, que eu achei bonita que só! A grande diferença que notei desta vez foi a falta de dificuldade em seguir a narrativa. Agora, mais de dez anos após meu primeiro contato com a literatura de Saramago, a leitura fluiu maravilhosamente bem. Eu, finalmente, me acostumei com o estilo do autor, além disso continuo adorando a bela história de amor de Baltasar e Blimunda.
Com sua escrita crítica, irônica e bem-humorada, Saramago conseguiu me conquistar outra vez, então posso garantir: Memorial do Convento não perdeu nem um pouquinho do seu encanto… Será sempre um dos meus livros preferidos.


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Convento de Mafra
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Eu no Convento de Mafra


Sobre o autor:
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José Saramago foi um escritor português, nascido em Azinhaga, em 1922. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Faleceu em 2010, na Espanha.

Um vídeo sobre Memorial do Convento (contém spoilers)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Declarando meu amor por Buenos Aires

“A mí se me hace cuento que empezó Buenos Aires: La juzgo tan eterna como el agua y el aire.” (Jorge Luis Borges)
Gosto muito de ler blogues de viagem. Gosto mesmo! Embora o objetivo do meu nunca tenha sido fornecer dicas para este ou aquele viajante, de vez em quando eu também acabo meio que entrando nessa onda e menciono alguns lugares que visitei por aí. Dando uma relida nos meus textos antigos, chamou muito a minha atenção o fato de nunca ter falado nada acerca de Buenos Aires, cidade na qual vivi de julho de 2007 a julho de 2011. Só agora, mais de quatro anos após minha partida, posso falar com o coração mais sossegado sobre o tempo tão especial que vivi por lá.
Eu não sei vocês, mas eu tenho uma grande dificuldade em escrever sobre coisas que me marcaram, coisas pelas quais guardo qualquer tipo de sentimento; acho difícil porque quase nunca encontro as palavras certas, não consigo disfarçar a emoção – o que para muitos pode soar como afetação.


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Mi Buenos Aires Querido!
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La Boca


A minha relação com Buenos Aires foi muito estranha, uma relação de amor e ódio. Quando eu soube que me mudaria pra lá e que ficaria por quatro anos a primeira reação foi de irritação. Eu não queria, não tinha a mínima vontade. Sentia uma antipatia pela cidade a ponto de não fazer questão sequer em conhecê-la. Não me perguntem a razão porque não faço a mínima ideia. Às vezes penso que isso podia estar relacionado com a rixa existente no futebol entre Brasil e Argentina. Aí penso melhor e me dou conta que eu nunca fui uma pessoa tão ligada assim a futebol, desse modo, essa não seria uma razão plausível. Outras vezes penso que eu era como aquelas crianças birrentas que nunca provaram certo tipo de comida mas dizem taxativamente que não gostam e pronto… Ah, sei lá, deve ter sido algo do tipo.
Meu desejo era morar em um lugar bem diferente, algum país na África, talvez Austrália ou quem sabe até Inglaterra. Mas me ofereceram Buenos Aires, era pegar ou largar. Peguei.
Não foi difícil a adaptação apesar de achar os argentinos meio fechados (não levem isso tão a sério, talvez a fechada seja mesmo eu… rsr), mas no fim das contas fiz amizades que duram até hoje.
A língua eu já conhecia, então, um problema a menos. O inverno, um tanto rigoroso se comparado ao inverno brasileiro, nem chega perto do inverno alemão (que eu também já conhecia) então, outro problema a menos.


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El Obelisco
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Cemitério de La Recoleta
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Puente de la Mujer


Houve momentos ruins? Claro que sim! Mas o que quero evidenciar aqui são os momentos bons, que foram muito melhores.
Na Argentina comi o verdadeiro alfajor, o típico asado e as deliciosas medialunas. Bebi o tal mate, que para meu paladar é amargo pra caramba, mas dizem que ajuda a emagrecer, gente! Encantei-me com a literatura de Borges e Cortázar. Sonhei acordada com a poesia de Alfonsina Storni e Alejandra Pizarnik. Fui várias vezes a shows de música no Gran Rex e Luna Park. Escutei Gardel vezes sem conta, tanto que aprendi de memória o tango “Por una cabeza”.Fui ao Show do Spinneta (ainda bem, pois um ano depois ele se foi) e Fito Páez. Encantei-me com os olhos verdes de Ricardo Darín e sua atuação perfeita.
Vivia metida nas livrarias Yenny, Boutique del Libro e El Ateneo, principalmente naquela lindíssima que fica na Av. Santa Fé. Fui assistir a uma apresentação de balé no Teatro Colón, o teatro mais lindo que meus olhos já viram. Tomei meu chazinho no Café Tortoni e tirei fotos com as estátuas dos literatos que lá habitam. Apesar de clichê, eu adorava passear em La Boca – um bairro pitoresco, alegre e colorido – e de quebra ainda fiz aquelas fotos ridículas com os dançarinos de tango que se apresentam na rua (Sim, me julguem…rsr).
Vezes sem conta fiquei sentada no gramado em frente ao Rio de la Plata apenas para admirar a natureza e sentir a brisa no rosto. Encantei-me com as luzes da Avenida 9 de Julio e sempre me fascinava com o imponenteObelisco, monumento que tem a cara da capital porteña. Mesmo tendo medo dos mortos, fui mais de cinco vezes ao Cementerio de la Recoleta, e quando saía de lá sentava-me em algum café para admirar o vai e vem das pessoas do bairro – um lugar tão lindinho e que respira arte.


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Floralis Generica
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Puerto Madero
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Casa Rosada


Perdi-me tantas vezes nas calles antigas de San Telmo, fiquei por horas procurando algum objeto interessante para comprar na feirinha de pulgas. Fui vezes sem conta a Plaza de Mayo e todas as vezes tirei fotos na Casa Rosada, como qualquer turista que se preza, né?!
Puerto Madero, então? Ah, lugar bonito e moderno, cheio de vida e decorado pela Puente de la Mujer, que com sua arquitetura simples, porém charmosa, encanta quem a visita. Sobre a Calle Florida, falar o quê? Que tem a cara de qualquer turista brasileiro que acha que Buenos Aires é lugar para fazer compras baratas… Ledo engano, minha gente, pois eu estive por lá e nunca comprei nada, só queria mesmo caminhar e tomar um capuccino delicioso nas Galerías Pacífico.

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Jardim Japonês
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Museu de Arte Latino Americano
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El Ateneo, livraria linda


Na hora de bater perna fui inúmeras vezes ao Parque de Palermo, entrei no Zoológico, no Jardín Botánico e noPlanetário. Fui ao Jardín Japonés, ao Rosedal e à Floralis Genérica, aquela famosa flor de metal que abre de manhã e fecha à noite. Fiz várias vezes o passeio no Tren de la Costa e também o passeio de barco pelo Rio Tigre… Marquei ponto no Malba (Museu de Arte Latinoamericano) -, que naquela época tinha uma programação literária incrível. Até hoje o museu ainda oferece excelentes atividades literárias, confira o calendário dessas atividades aqui.
Algum arrependimento? Sim, de durante esses quatro anos não ter aproveitado para aprender a bailar un tango caliente.


Às vezes ainda encontro pessoas que me perguntam: então, o que você achou de Buenos Aires? Conseguiu finalmente se acostumar? Voltaria a morar lá de novo?
Acho que nem preciso responder, né?