sexta-feira, 30 de março de 2012

Livro do Desassossego.

“Pasmo sempre quando acabo alguma coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar, acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia”.

desassosegoA primeira vez que li o Livro do Desassossego tive bastante dificuldade em manter um ritmo de leitura. Li muito devagar, fazendo pausas e mais pausas… demorei muito até engrenar completamente. Mas, a partir de um certo momento, a leitura me absorveu tanto que foi impossível deixá-la de lado. Foi até esquisito, porque comecei sem muito entusiasmo e acabei completamente extasiada. Logo no início fui bombardeada por uma frase intrigante: “O coração, se pudesse pensar, pararia”. Fiquei com essa frase na cabeça querendo saber se o autor tinha algo mais a dizer, acredito que por isso não desisti, insisti na leitura por mera curiosidade.
Composto por vários fragmentos, o Livro do Desassossego é o relato de um empregado de escritório em Lisboa, uma personagem angustiada, repleta de dúvidas e hesitações, alguém que parece estar sempre à procura de algo, mas não sabe exatamente o quê.
Bernardo Soares é o autor fictício do livro, um semi-heterônimo de Fernando Pessoa, segundo palavras do próprio poeta:


“Não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade."


Soares, assim como pessoa, passou sua vida como um simples funcionário de escritório, vivendo em um quarto alugado e dedicando seu tempo à escrita. Porém, o livro não trata apenas sobre Bernardo Soares e seu cotidiano, mas sobre um amontoado de reflexões: sobre a solidão, sobre a literatura, sobre a paixão pela arte de escrever e sobre a nostalgia que sentimos às vezes sem nenhuma razão aparente.
É um livro que brinda sentimentos, sentimentos esses que todos nós, pelo menos uma vez na vida, já chegamos a experimentar. O pano de fundo é Lisboa, impossível lê-lo e não sentir uma vontade incontrolável de caminhar pela Lisboa de Fernando Pessoa, às margens do Tejo, pela Cidade Baixa, pela Rua dos Douradores. Alguns dizem que este livro é a autobiografia do próprio Pessoa… Não sei! Acredito que, neste caso, criador e criatura se fundem.
O Livro do Desassossego é um tesouro da literatura, é um livro vivo, intrigante, envolvente, interminável. Para ser lido e relido em qualquer momento da vida, a partir de qualquer página. Obra com um alto valor poético e lírico. É uma prosa que pinga poesia.


“Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas confissões, e, se nelas nada digo, é porque nada tenho a dizer”.


Pois, para mim, ele disse muito. Definitivamente perturbador.
Sobre o autor:
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Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888. Aos cinco anos de idade foi levado para a África do Sul, onde viveu e estudou. Aos 17 anos regressou a Portugal, desde então nunca mais saiu de sua terra natal. Em vida teve apenas uma obra publicada, Mensagem, um livro de poesia que exalta Portugal. Morreu em 1935, aos 47 anos, vítima de problemas hepáticos.
Há uns dois anos o livro foi adaptado para o cinema por João Botelho. Deixo aqui um pedacinho do filme:


2 comentários:

  1. Oi, Day!

    Eu não li este livro, mas tenho muita curiosidade. Um amigo meu está fazendo uma monografia sobre esse livro, pelo pouco que conversei sobre o assunto, será muito interessante, pois apenas a tentativa de tentar entender F. Pessoa é algo mágico. Tem uma poesia dele chamada "Apontamento" que me emociona demais toda vez que leio.

    Obrigada pela longa visita em meu blog, por todos os comentários, fiquei muito feliz!

    Um beijão

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  2. Oi, Francine!
    Eu concordo com você, Pessoa é mágico! Quanto mais eu aprendo e leio sobre ele, mais vontade tenho de conhecê-lo melhor, cada vez mais!!
    Essa poesia "Apontamento" - só pelo título não consigo lembrar, é aquela que fala do "Cádaver adiado que procria"?
    Quando tiver a oportunidade não deixe de ler o Desassossego.

    Beijos

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